Bus 142

Destination Nowhere

Tacuarembó a Paso de Los Toros

O café da manhã do hotel onde estava começava somente às 7h30, o que é bastante tarde para quem está saindo para pedalar o dia todo. Infelizmente, não há muitas opções para se comer aqui, de forma que tive que esperar. O suco de laranja estava estragado, e a água quente para fazer chá não havia. Não queria perder tempo reclamando pois já estava tarde. Quase apelei para o café, porém me faz muito mal e me deixa esgotado depois. Aí fui de iogurte, apesar de que laticínios não costumam me descer bem.

O tempo estava bem nublado e agradável.

Não encontrei mais vendedores de melancia e melão, creio que somente próximo da divisa com o Río Grande do Sul que existem. Tampouco há barracas de lanche ou lanchonetes. A paisagem é bastante uniforme, com áreas rurais em sua maioria de pastagens, plantações de eucalipto e pinheiro aqui e ali, e casas sede de propriedades rurais, bem afastadas umas das outras.

O problema de não haver pontos de parada não é apenas logístico, mas psicológico. A maior ansiedade gerada pela incerteza de quando se irá comer, faz com que se fique conferindo a quilometragem e a hora com mais freqüência. Vou olhando as marcações de quilômetros na beira da rodovia para saber quanto percorri e quanto falta.

Próximo ainda a Tacuarembó encontrei alguns ciclistas treinando na estrada, já voltando em sentido contrário ao meu. Também vi uma caminhonete que estava indo em velocidade controlada fazendo vácuo para dois ciclistas que pareciam estar treinando sério, para competir mesmo. Imagino que não tenham colegas no nível deles e estivessem querendo simular o pedal dentro de um pelotão. Mas isso ajuda mesmo? É necessário? Fiquei curioso para entender. Amigos speedeiros podem me esclarecer?

Em torno das 10h e pouco da manhã, já estava cansado e com fome.Desconfio que o iogurte não me fez muito bem, pois meu rendimento caiu. A temperatura já estava subindo e o sol saindo. Avistei umas placas indicando um povoado, um lugar chamado Curtina. Quando vi em uma placa um sinalzinho de garfo e colher, até dei um grito de alegria.

Entrei na vila, um lugar muito pequeno realmente. O mapa indicava a existência de uma rotisseria. Fui descendo a rua principal e não achei. Cheguei a um mercadinho e perguntei se havia algum lugar para se comer àquela hora. Me indicaram exatamente a tal da rotisseria. A moça me disse onde era "Una casa verde, de esquina. Está escrito rotisseria". Voltei olhando com mais atenção e encontrei. Realmente tinha uma placa na frente, mas estava branca e apagada. Se estava escrito rotisseria, era só na memória de quem lembrava.

Entrei e perguntei para a moça, "está abierto?". Porque estava vazio e com a porta fechada. Perguntei à ela as opções, me mostrou umas tipo mini pizzas que não lembro o nome e não fui com a cara. Também disse que dava para sair milanesa de carne vermelha ou frango, com salada. Que era um tipo de salada que fazemos com maionese, inclusive com ovos cozidos, porém sem a maionese. Me perguntou: "también quieres tomate e lechuga?". "Sin, quiero!".

Parece que a milanesa é meio que o prato rápido deles aqui, que sempre dá pra sair. Costumam vir uns pãezinhos junto. É uma quantia de comida adequada para uma refeição sem estufar a barriga. Nada exagerado como é freqüente no Brasil. Aliás tenho reparado isso no Uruguai. Até casas são construídas menores, de um tamanho mais econômico e mais adequado para uma moradia sem exagero. Várias casinhas simpáticas. Ainda passei no mercadinho e comprei água para completar as garrafas e um litro de ades que fui tomando enquanto pedalava.

Logo entrei em uma área de ventos contra insistentes, o que faz com que você tenha que fazer muito mais força para pedalar e renda muito menos. Além de ser desmoralizante. Logo vi no horizonte que estava me aproximando de uma usina de energia eólica. Então está explicado. Trata-se de um lugar onde venta sempre. Aquelas grandes hélices até seriam bonitas de se observar na paisagem, não estivesse o vento soprando contra mim.

Por algum motivo penso que talvez depois que eu deixar a usina para trás, o vento será menor. Grande engano. Poucos quilômetros depois, o vento está tão forte que eu penso que tenho certeza que os engenheiros escolheram o lugar errado para as turbinas. E continua assim soprando contra sem trégua. Mais quilômetros à frente passo por outra usina eólica. O cansaço vai se acumulando.

Em torno das 14h chego à um povoado chamado Cuchilla de Peralta. Avisto uma série de caminhões diferentes parados, e isso geralmente indica que é uma parada onde tem comida. Entretanto está escrito "Turismar Agência Peralta". Não é possível que haja comida numa agência de turismo, é? Passo direto e paro no ponto de ônibus uns 100m à frente. Confiro mais uma vez no mapa, e nenhum registro de lanchonete ou coisa do tipo. Estou bastante cansado e fico ali sentado uns minutos refletindo se volto lá para perguntar se há algum lugar para se comer no povoado.

Quando estou com o nível de energia muito baixo, quero evitar ao máximo falar com pessoas. Coisas de introvertidos. Às vezes tomo decisões ruins quando nesse estado. Pesquiso na internet o que é Turismar: é a empresa de ônibus. Não deve ter nada de se comer lá, penso. Não vale a pena voltar e perguntar. E aliás estou mais cansado do que com fome, racionalizo. Uns minutos aqui e vou ficar bem. Dali sigo para a estrada.

Como duas barrinhas de cereais que acho nas minhas coisas, que devem ser as últimas. Não encontro mais nada parecido com lanchonete enquanto passo pelo povoado, nem ninguém para perguntar.

Na estrada, o vento contra persiste, mas agora com bastante calor. A umidade no ar que eu senti no dia anterior não está mais presente. Claramente é uma região de solo bem úmido, com brejos e pequenos lagos o tempo todo. Porém aquele vento castiga tanto, que mesmo o capim é seco nas pontas e verde por baixo. Mesmo quando o sol se esconde, não posso ficar sem a bandana sob o risco de rachar meus lábios de secura.

As horas seguintes, com muito cansaço e fome, de arrastam de maneiras que demorariam muito para descrever agora. Mas procuro as mais variadas estratégias para não parar de pedalar. Por sorte já não há muitos lugares na estrada que seriam bons para se encostar e descansar. Aí quando estou em uma subida e tenho vontade de parar um pouco, penso comigo que no topo da subida eu paro. Aí quando chega o topo e tem uma descida, penso que vou aproveitar a descida e depois paro. Aí depois miro uma placa lá na frente e digo que lá vou parar. Então aparecem pessoas passando de cavalo na grama do lado da pista, e digo que depois que elas ficarem bem para trás eu paro.

Depois me prometo que quando chegar em uma árvore com sombra eu paro. Então aparece uma boa do outro lado da estrada. Fico com preguiça de atravessar a pista e continuo. Depois a próxima tem vacas próximas do lado da cerca, aí digo para mim mesmo que é melhor não porque pode ter carrapato. Que vou parar no próximo ponto de ônibus. Que quando chega, fica no meio de uma descida e não quero perder o embalo.

Chega uma hora que estou cansado demais, tanto que poderia deitar ali na grama do lado do acostamento mesmo, apesar de não ter nenhuma árvore para fazer sombra. Porém penso que se eu fizer isso, com certeza alguém vai parar para ver se estou bem, e não quero isso.

Vou fazendo esses jogos mentais tanto quanto possível, porém à medida que a tarde passa vai ficando cada vez mais difícil e eu cada vez mais cansado. A água da garrafa já tomou tanto sol que quando jogo um pouco nas costas, parece que estou no chuveiro quente. Apesar disso já estou acostumado a beber água assim.

Nos últimos 40km, uso de todos truques que posso imaginar, enquanto observo as marcações de km ao lado da rodovia. Paro para ver se aquelas florzinhas são camomila mesmo. Observo o gafanhoto verde que quando voa fica azul. Ou pelo menos assim me pareceu. Me vem à cabeça a moça que me serviu a milanesa, me perguntando: "quieres ensalada?". Respondo em minha cabeça que sim, que aliás quero um prato inteiro, aliás quero dois, e nem precisa mandar carne. Um besouro preto atravessa o asfalto quente e penso comigo, que bicho burro, por que está no asfalto quente debaixo desse sol? Por que não vai para debaixo das plantas? Fico sonhando que à qualquer momento vai aparecer uma barraca de caldo de cana gelado como no Brasil. Lembro do suco de laranja estragado e penso que vou procurar algum lugar na cidade que o tenha bom, mesmo que caro.

Falando 17km muda de cor e se torna perfeito. Fico empolgado e penso que deve ser assim até Montevidéu, aposto que sim! Nada mais de acostamento grosso! Mas dura apenas um pouco antes e um pouco depois da ponte. Fico olhando para o horizonte e pensando se quando eu alcançar aquele ponto, já serei capaz de avistar a cidade. Porém alcanço horizontes muitas vezes antes que comecem a aparecer as primeiras casas. Os quilômetros parecem que se estenderam por horas e horas.

Finalmente alcanço um posto com um restaurante, peço um suco de laranja antes de qualquer coisa. Depois peço para ver o menu, porém a garçonete me explica que as cozinheiras já foram embora, mas que uma milanesa sai. Com alface e tomate. Afinal era mais de 17h.

Dali ando um pouco na cidade, acho um hotel e cá estou. Um contato da região me adicionou e me disse que os ventos daqui pra Montevidéu só pioram, e que por esse motivo ninguém aqui faz o percurso nesse sentido! Hahahaha. Pois amanhã será dia de madrugar então, porque tenho 150km de contravento para pedalar.


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