Bus 142

Destination Nowhere

Santa Maria a Rosário do Sul

Novamente tive dificuldade de dormir e ainda acordei no meio da madrugada e fui conseguir pregar o olho de novo só umas 5h. Provavelmente por estar agitado com idéias para a aventura das minhas próximas férias. Por isso, acabei saindo mais tarde do que devia e sem ter dormido tanto quanto gostaria. Às 7h30 estava na estrada.

Ontem comprei algumas barrinhas de cereal na hora do almoço pensando no percurso de hoje, que seria longo e ao que tudo indicava, sem nenhum lugar para comer. Pedalar 140km sem almoçar não é lá tão fácil. Pior quando não se dormiu muito bem.

A rodovia realmente teve pouco movimento conforme tinham me dito, porém o que não disseram foi que o asfalto do acostamento é daquele grossão. Mas com poucos veículos, ainda foi possível seguir pela faixa branca, mantendo o ouvido atento. Quando eu ouvia veículos se aproximando por trás, se fosse em um lugar ruim de me ultrapassar ou se estivessem vindo outros veículos em sentido contrário, eu descia para o acostamento. Especialmente para caminhões. O porte do veículo em geral consigo identificar pelo som. Então essa parte até até funcionou bem, e o fato de haver poucas subidas ajudou.

Entretanto, tenho que além de plano, esse percurso foi extremamente chato! A começar pela própria ausência de subidas, que o torna mais monótono. A paisagem também era muito igual, com as planícies infindáveis dos pampas gaúchos. Além disso a expectativa de precisar pedalar até de tarde sem almoçar me deixava mais ansioso.

A princípio achei difícil acreditar que toda aquela extensão não teria nenhuma lanchonete, mas essa era a realidade. Em alguns pontos encontrei pessoas vendendo o que eles chamam aqui de "produtos coloniais", que são basicamente algumas produções da roça como melancias, melões, queijos, pés de moleque e outros. Em torno das 9h parei em um desses onde tomei meio litro de suco de uva de produção deles e comprei três pedaços pequenos de pé de moleque. Comi um e guardei os outros dois. Me enjoou um pouco e acabei não comendo os outros dois até o final da viagem.

A próxima barraca dessa encontrei em torno das 11h, vendendo somente melancias e melões. Eu não conseguiria dar conta de uma melancia inteira, mas um melão com certeza, pensei. Achando que se tratava do mesmo tipo de melões que estamos acostumados a ver no mercado. Mas não, eram enormes! Pensei um pouco e acabei resolvendo não pegar e tentar a sorte na próxima barraca.

Já estava bem cansado. Fui comendo as barrinhas mas não resolveu muito. O dia estava levemente nublado, porém abafado com aquele calor úmido e sem ventos. Não podia beber muita água, pois não sabia quando poderia encher minhas duas garrafas. A fome também ia apertando. A paisagem era muito igual e sem nada que desse motivo para parar. Nem uma árvore para fazer sombra, nem um lugar bom para sentar, nada. Ao invés de parar ali debaixo do sol do meio dia na rodovia, preferia continuar pedalando.

Furou então meu pneu da frente, o que me deu motivo para parar um pouco. Aparentemente minha fita de aro não é muito boa ou está mal colocada, pois deve ter mordido a câmara. Com isso minha terceira e última câmara reserva estava sendo usada, e passar em uma borracharia para fazer remendos a quente se tornou prioridade.

Após o conserto continuei pedalando e nada de aparecer nem um lugar para comer ou conseguir água. Já era em torno de 13h. Até que chego em uma placa de trânsito com dois pedaços de melancia penduradas. Olho no chão e tem um quarto de melancia com a cara vermelha olhando para mim. Não é possível, eu penso. Será que está estragada? Cheiro e está fresca! Pela temperatura, foi deixada ali há menos de meia hora!

A falta de faca ou utensílios não me atrapalha nem um pouco no intento de devorar a fruta. Chega a estar geladinha por dentro ainda. Fico imaginando quem foi a boa alma que fez aquilo. Teria sido alguma família viajando de carro, que comprou uma inteira e não deu conta? Ao invés de simplesmente jogarem fora, de deram ao trabalho de sinalizar de maneira que alguém encontrasse. Talvez tenha até sido algum carro que passou por mim e as pessoas ficaram com pena de me ver pedalando naquele calor. De qualquer forma, como rindo e agradecido, a barriga chega a doer mas não desperdiço nada.

Antes de seguir, ia tirar os pedaços que estavam na placa sinalizando, mas constato que estão bons ainda. Deixo lá para o caso de alguém precisar, pois eu não aguento mais nada. Alguns metros à frente, encontro um melão fincado numa estaca de metal. Não, já tive meu almoço. Fica aí para quem puder aproveitar.

Pedalo mais um pouco e chego em uma barraca vendendo melancia e melão. Só então entendo que na verdade eu comi foi a propaganda deles. Bem, sinto muito. Ao menos os pedaços pendurados nas placas ainda estão lá.

Depois de todo aquele líquido, estou me sentindo um pouco melhor. Falta bastante ainda, porém depois que passou dá metade das distância, a ansiedade diminui. Hoje foi um desafio mental tanto quanto físico.

Já à cerca de 30km do destino, encontro a primeira vendinha de beira de estrada. Não tinha nenhum lanche, porém um doritos, um gatorade e um del valle já me deixam sentindo muito melhor. O rapaz atendendo fica interessado no que estou fazendo. Diz que é comum passarem ciclistas viajantes por ali, mas todos eles vêm carregados de bagagem. Com pouca coisa assim é a primeira vez que ele vê. Surge um outro vizinho fazendo perguntas sobre meus aros. Ele está procurando um par mais forte para a bicicleta motorizada que ele montou.

Sigo caminho e numa interseção de rodovias encontro o John, outro cicloviajante. Me faz sinal para parar e me faz algumas perguntas sobre o caminho. John é negro e quando está sol, viaja sem camisa. Diz que nunca descasca. Invejo a capacidade da pele dele de produzir melanina, quem me dera a minha dar forte assim. Uma boa pessoa o John, diz que veio de Porto Alegre e já andou Uruguai, Paraguai, Argentina e agora vai para a Bahia! A bicicleta de John usa pneus gordos, ao contrário da minha. "Isso aí de marcha para viagem longa é fria, só serve para dar dor de cabeça", concordamos. Tiramos fotos, peço para ele me adicionar no Facebook quando fizer um, pois está sem. Ele me alerta para não andar muito perto do mato pois há cobras e elas atacam. Nos despedimos. Boa viagem, John! Siga sendo bravo!

Chegando em Rosário do Sul, já vejo mais carros com placas do Uruguai e Argentina que do Brasil. Como um super lanche pois refeição às 17h não tem, acho um borracheiro que remenda as câmaras e vou para o hotel. Agora chove forte. Espero que tenha parado amanhã cedo.


Este site é basicamente um lugar para descarregar meus pensamentos sobre os mais variados assuntos que me interessarem. No momento se trata de viagens de bicicleta sem marcha e fixa. Você pode falar comigo escrevendo para contato_autor@bus142.net