Bus 142

Destination Nowhere

Rio Azul a General Carneiro

O dia não teve ameaças de chuva. Porém o início da viagem foi desagradável por conta das estradas com acostamento ruim ou sem acostamento. Fica muito mais cansativo por conta do maior esforço e atenção requeridos. Por volta das 11h50 alcancei um posto com restaurante, o qual não estava no mapa e foi muito bem vindo. Vocês não imaginam a minha alegria quando descobri que a bomba de ar calibrava até 110 libras! Diminui muito o esforço andar com o pneu bem cheio assim.

Felizmente, um pouco depois eu chegava na BR 153, onde o asfalto era de boa qualidade novamente e com acostamento ou pista dupla. Em breve estava no entorno de Porto União.

Parei um pouco em um ponto de ônibus coberto para descansar um pouco do sol forte pós-almoço, respirar um pouco e conferir os mapas. Um senhor com sua bicicleta também veio ao ponto, supostamente para se esconder um pouco do sol também. Fiz menção de tirar minha bicicleta que estava encostada no banco do ponto, e ele disse para não se preocupar e colocou a dele no chão mesmo. Uma Monark barra forte, pintada de preto. "Eu tenho uma outra mais moderna, mas não acho graça. Gosto mesmo é dessa daí". Seu Antônio de 60 anos me contou que quando tinha 40, um dia resolveu que ia visitar seu filho que morava em Tapera, e ia de bicicleta. Na época ele morava em São Paulo e trabalhava em uma metalúrgica apertando parafusos. Resolveu que ia largar seu emprego e pegar a estrada. "Você vai se arrepender", todo mundo disse.

Sua bicicleta na época era uma "caloi cross", como seu Antônio a descreveu. Uma daquelas bicicletas de aro 20 que hoje em dia chamamos de BMX. Para quem conhece, sabe que é uma bicicleta muito inadequada para um adulto viajar, dado seu tamanho e a fato que seu banco fica tão baixo que mal dá para sentar quando se está pedalando. "Só que de pneu fino", diz seu Antônio. Ainda pegou caminho errado, no total deu uns 800km. Que ele fez, pasmem, em três dias!

Levantava de madrugada e pedalava até escurecer. Estava no verão, como agora, de dias longos. No fim do dia, dormia na estrada onde dava, como nos pontos de ônibus que nessa época eram cabines de madeira, e não concreto como hoje. O mais pesado que levava era um lençol, que usava para se cobrir. Teve dia de acordar duas ou três horas da manhã com pessoas conferindo se ele estava vivo, e lhe oferecendo comida. Comeu e já aproveitou para sair pedalando de novo.

"Depois arranjei um jeito de voltar de ônibus. Não conseguia mais nem andar direito! Fui lá na empresa e o chefe me aceitou de volta: 'Te falei que você ia se arrepender! Vai uns dias pra casa descansar e depois volta'. Mas resolvi que viajar de bicicleta não era mais coisa pra mim. Aquilo era coisa para piá de 20, 25 anos. Eu já tava com 40!"

Despedi do seu Antônio, agradeci pela estória e voltei para a estrada.

Saindo de Porto União em direção à General Carneiro, tem um trecho que, pelos estudos de altimetria que eu tinha feito, era a pior subida que eu ia encontrar. E adivinha só, consegui vencer toda essa serra sem descer da bicicleta nem parar em nenhum momento! Depois do começo da subida só parei na entrada de General Carneiro. Esse foi provavelmente o maior feito da viagem, a não ser que tenha alguma ladeira escondida me esperando. Seria possível, pois sendo aguda e curta, não apareceria nos gráficos de altimetria que olhei. Porém até o momento mantenho meu recorde de ter vindo de Brasília até aqui sem empurrar a bicicleta em nenhum momento. Depois da serra de hoje, é bem provável que eu consiga chegar até Montevidéu assim.

Em General Carneiro, escolhi um hotel ruinzinho, e na hora de procurar restaurante descobri que o mais perto que estava aberto ficava a coisa de 1km daqui, embaixo do outro hotel no qual eu não quis ficar. Por preguiça de levar a bicicleta acabei indo andando. Comida bem ruinzinha também. Preciso prestar mais atenção na hora de escolher o hotel. Mas com certeza ainda é muito mais confortável que qualquer um dos lugares que seu Antônio dormiu em sua viagem!


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