Bus 142

Destination Nowhere

Ponta Grossa a Rio Azul

"O sofrimento precisa ser superado, e o único meio de superá-lo é suportando-o." (Carl Jung)

Andei sentindo um pouco os joelhos nos dias de serra, e resolvi dar um descanso para o corpo e fazer um percurso um pouco menor hoje, apenas 120km. Dadas as estradas e clima favoráveis, poderia facilmente ir até a próxima cidade, mais 25km. Porém não encontrei nenhum hotel lá pelo mapa, a não ser um hotel fazenda que pareceu caro e teria de entrar um pedaço de estrada de terra. Então Rio Azul mesmo.

Adorei essa pequena cidade do interior, na qual cheguei em torno das 16h30. Não houve estórias interessantes para contar hoje, porém foi um percurso tão agradável, e estou me sentindo tão bem, que este deve ser o melhor dia até agora e provavelmente um dos melhores da viagem. Estou aqui na pracinha da cidade vendo as pessoas passarem, curtindo a calma, silêncio e beleza do lugar.

Aproveitei que cheguei cedo para passar em uma bicicletaria, pensando em limpar a corrente. Porém o mecânico me convenceu que tudo bem continuar daquele jeito, era só continuar lubrificando. Que só não deveria deixar com terra, mas como está tudo bem.

No meio do caminho para cá me deparei com uma subida forte depois do almoço, onde quase que eu tenho que desistir do meu recorde de não ter precisado empurrar a bicicleta em nenhum momento até aqui. Mas venci. Um pouco mais à frente, cheguei a uma descida seguida de uma subida que parecia absurda. Pensei comigo: "pronto, essa não vai dar". Parei um pouco, tirei uma foto dela e postei no meu face. Fiquei ali coisa de meia hora observando aquela subida e descansando. Quando encarei ela não era tão difícil quanto parecia. O asfalto faz essas ilusões de ótica com a gente. Desci na posição mais aerodinâmica que sei fazer com segurança, venci boa parte da subida só no embalo, pedalei forte para manter a velocidade mais um trecho e quando finalmente ia perdendo o embalo, já não faltava tanto. Um pouco mais de força e consegui.

Fiz um percurso tranqüilo hoje, e o relevo ajudou. Também parei muitas vezes para tirar fotos, para mostrar para vocês a cara dessa região. Aqui lembra um pouco Campos do Jordão. Clima mais fresco, muitas araucárias e pinheiros, e bastante casas de madeira. Além das fotos que coloco no face, confiram o meu Instagram, onde deixo as mais bonitas: http://www.instagram.com/bigatojj

Mais sobre Rio Azul

Antes de contar da viagem tenho que falar mais um pouco de Rio Azul, essa cidadezinha maravilhosa escondida no interior do Paraná. Depois que eu escrevi o último relato, várias coisas dignas de nota aconteceram.

Jantei em um restaurante que fica próximo da praça Tiradentes onde sentei quando cheguei. O dono, seu Moacir, foi muito simpático: "Coloca a bicicleta aqui dentro, deixa debaixo da escada". Como de costume, me perguntou o que estava fazendo, de onde vinha e para onde ia. Já me perguntou se eu era descendente de italiano, como ele. Reparei que a cor dos olhos dele era parecida com a dos meus, um verde escuro misturado com castanho, o que não é algo tão comum. Comentei que vi outras pessoas assim na cidade, e ele disse: "É, a italianada tudo!". Crescido na roça também, acostumado com trabalho duro e ética no que faz, nos divertimos descobrindo como pensamos parecido. Sangue quente italiano de quem gosta das coisas certas e trabalha muito.

Elogiei o restaurante/lanchonete/padaria dele, que estava em uma construção bonita e ampla, de dois andares. Me contou que construiu ele mesmo junto com a esposa e mais uma pessoa, em um ano e três meses. "Ia dormir à meia noite e levantava às 5h todo dia. Não sentia cansaço, nem frio. Minha mulher sempre me acompanhando também".

Sua jovem esposa é 25 anos mais nova que seu Moacir, que completa 49 esse ano. Ele diz ser uma pessoa muito feliz agora, mas nem sempre foi assim. Contou estórias de sua ex mulher que geraram em mim reações tão ruins que prefiro nem descrever, fatos que nem posso reproduzir aqui. "Nunca force um relacionamento a dar certo", diz seu Moacir. "Se estiver muito difícil, não fica indo atrás, não fica fazendo esforço. Não vale a pena". Tenha em mente que eu só ouvi uma parte, e toda estória tem mais de um lado. Declaro-me suspeito de antemão nessa narração, já que a simpatia e afinidade que tive por seu Moacir, praticamente meu irmão em espírito, me leva a acreditar nos fatos todos que me relatou. Me contou que após a separação, ficou devendo 500 mil reais. Mas trabalhando sem parar, hoje já estava sem dever mais nada.

Seu Moacir simpatizou com minha aventura, com todo esforço e dedicação envolvidos. "Pois o herói aqui é o senhor!", eu lhe disse. Pois superar tudo quanto ele me contou, e ainda construir um imóvel daquele tamanho num grupo de apenas três pessoas! Só quem já botou a mão na massa consegue ter uma dimensão do esforço envolvido. Minha viagem vai durar apenas um mês, a construção dele foi mais de um ano e trabalho muito mais pesado. O mundo está cheio de heróis espalhados em cada esquina.

Dali fui para a pousada, a hospedagem mais agradável que já fiquei na viagem até agora. Quando percebi, meu celular estava inundado de mensagens e pedidos de amizade de pessoas de Rio Azul. Acontece que um amigo do trabalho compartilhou minha postagem com um morador da cidade, que a compartilhou em seu facebook. Mais de uma pessoa me convidou para ficar em sua casa, porém eu já tinha pago o hotel. Quantas pessoas simpáticas e hospitaleiras nessa cidade! E por algum motivo gostaram de minha aventura e do fato de mencionar o lugar maravilhoso onde moram. Um pedaço do meu coração ficou nessa cidadezinha, que prometi a mim mesmo voltar a visitar.


Este site é basicamente um lugar para descarregar meus pensamentos sobre os mais variados assuntos que me interessarem. No momento se trata de viagens de bicicleta sem marcha e fixa. Você pode falar comigo escrevendo para contato_autor@bus142.net